Darwin e o Jeitinho Brasileiro

Alessandro Bender
2 min readApr 5, 2020

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Quando a Seleção Natural age de maneira impiedosa

Numa entrevista com imigrantes japoneses que vieram da primeira leva, no Kasato Maru, um senhor de bastante idade falava sobre o principal estranhamento que teve com a cultura brasileira.

O que mais estranhei foi quando abri minha empresa. Quando eu chamava um funcionário ele me dizia: Estou indo. E eu olhava e ele estava parado. Ou está vindo ou não está, né?

Esta "zona cinzenta" é característica da cultura brasileira. Existem leis que existem mas não funcionam, existem leis que não existem mas estão vigentes no nosso cotidiano.

"É proibido estacionar", mas mais ou menos. De vez em quando dá para dar uma paradinha rápida, se ninguém estiver olhando.

Não é que neguemos as regras, apenas não as levamos muito a sério. Nada pode ser preto no branco. Tudo pode ser meio cinza. A gente pode falar "estou indo" e ficar parado ao mesmo tempo. Achamos normal.

Quando ouvimos falar sobre a rapidez com que a China, o Japão, a Coréia ou a Alemanha conseguiram lidar com o Covid 19 e como muitas mortes foram poupadas sempre pensamos: Ah, mas são países com alta tecnologia, muitos hospitais, dinheiro, etc. Mas um outro fator surge, se prestarmos atenção: São países onde Não é Não e Sim é Sim. Não existe zona cinzenta por lá.

É esta zona cinzenta entre o Sim e o Não que faz com que vejamos no noticiário montes de gente na rua durante a quarentena. Pessoal que "só deu uma saidinha, para espairecer", que "saiu rapidinho, só um pouquinho".

Da mesma maneira que temos a percepção que parar rapidamente num local proibido de estacionar não é um problema, que dar uma graninha para o guarda não multar meu carro não é algo errado, hoje estamos levando a quarentena no Jeitinho Brasileiro.

Pensei nisto quando ouvi hoje uma vizinha gritar para seu marido:

Querido, vou dar uma saidinha rápida. Vou visitar meu pai, quer alguma coisa do supermercado?

Afinal de contas "é só uma saidinha", não pega nada.

Se deus realmente for brasileiro, não vai pegar nada. Mas se não for, sairemos desta pandemia com uma nova estrutura de regramento social, onde Não se tornará cada vez mais Não, e Sim também.

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Alessandro Bender

pesquisador do comportamento humano, tendências e arte