Precisamos conversar sobre os concursos nas faculdades públicas
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Todos odeiam a corrupção. Gente de esquerda, de direita, todo mundo já está cansado dos esquemas e propinas que acontecem no Brasil. Mas quando se critica a pilantragem brasileira o foco geralmente é nos policiais que pedem uma grana, fiscais e políticos que ganham para tomarem decisões a favor ou contra de alguma coisa.
Mas ninguém fala sobre as faculdades públicas
Vamos falar de situações práticas? Como você acha que funcionam os concursos para professores públicos? Por meritocracia?
Uma certa vez fiquei sabendo de um concurso para professor assistente numa faculdade pública. Fiz a inscrição, afinal de contas o concurso era de uma área em que tenho bastante experiência, Teatro. Trinta anos de palco, dezenas de montagens no lombo, quer seja dirigindo, ensinando, atuando, cenografia, iluminação e sonoplastia.
Fui lá e fiz a lição de casa. Li todos os textos, preparei a documentação, estudei o tema específico e o escambau.
No dia da prova prática (uma aula sobre o tema) conheci os outros candidatos. A banca cumprimentou formalmente todos, mas uma das candidatas foi tratada de maneira diferente. Era amiga de todos da banca. Deram um grande e caloroso cumprimento, trataram a moça pelo apelido, e daí em diante comecei achar tudo estranho.
Abrir vagas em concursos nas faculdades públicas para amigos é prática comum no Brasil. Só entra quem é indicado. Mesmo que você queira uma "humilde" vaga num mestrado ou doutorado precisa lamber o saco de alguém. Ficar frequentando o curso de ouvinte, ir nos lançamentos do livro do cabra, curtir fotos no Facebook. Se não puxar o saco, nada feito.
E todos estes sujeitos que detêm este micro poder são anarquistas, revolucionários, contra os abusos das autoridades, absolutamente engajados. Mas na prática - no cotidiano - aplicam a mesma lógica que tanto rechaçam na sociedade. Gostam de seu poder, tratam os amigos de maneira diferenciada e fazem favores para aqueles que fazem favores para eles.
Fui muito bem na prova prática. Os alunos que estavam assistindo adoraram. E a banca começou a ficar incomodada com minha presença. Afinal de contas, a vaga já estava destinada a outra pessoa. E começaram a procurar pêlo em ovo. Detalhes no layout do power point e coisas do gênero. Me deram uma nota satisfatória, mas não a máxima. Não devem ter gostado da tipologia da apresentação…
No dia seguinte fui para prova prática, questões técnicas. Como funcionam as coisas nos bastidores do teatro. A pessoa que estava me avaliando foi extremamente dura comigo. Não queria entender meu conceito, queria procurar alguma razão para me reprovar. Mas meu trabalho estava bom, e isto tornava minha situação ainda pior. Voltamos e revimos inúmeras partes já analisadas, até que o sujeito pegou um ponto que eu realmente não tinha consistência. Quando ele percebeu que tinha conseguido chegar no ponto, seu rosto reluziu. Um grande sorriso relaxado e feliz apareceu: Ele tinha descoberto como me descartar. "Te peguei".
Neste estágio do "concurso" todos os outros concorrentes tinham sido eliminados, menos eu e a amiga da banca. Era a reta final.
Não preciso dizer que a amiga da banca ganhou o concurso, mesmo tendo menos qualificação que eu, mesmo tendo tido menores resultados nas aulas práticas.
Os concursos nas faculdades públicas são uma farsa. Todo mundo sabe e ninguém fala nada sobre isto. Sou só um dos caras que tentou e percebeu que existe uma maçonaria por lá, e que é um tabu falar sobre o assunto.