Qual é o limite da Guerra de Narrativas?

Alessandro Bender
4 min readMar 26, 2021

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Por um mínimo de conexão com a realidade na construção de narrativas, please.

Podemos falar muitas coisas sobre Eduardo Bolsonaro, mas dificilmente usaríamos o adjetivo Estrategista para defini-lo.

Em uma entrevista num canal do YouTube diretamente do Bolsonistão (como o Bob Fernandes diz), Eduardo Bolsonaro fala sobre o desafio da Guerra de Narrativas estabelecida pela esquerda no Brasil. E comenta que diante desta guerra ele, seu papai, seus irmãozinhos e seu exército estariam lutando para reestabelecer a "verdade".

Eduardo Bolsonaro não é um idiota. É um idiota armado, com poder, com dinheiro e com recursos para atuar de maneira massiva nesta Guerra de Narrativas.

Eu, você e mais um monte de gente que conhecemos somos hoje um bando de indivíduos, e tão somente isto. Sem dinheiro, sem poder, sem armas e navegando por nossas timelines achando que dando like em meme de Fora Bolsonaro estamos fazendo nossa parte na "Cruzada contra o Mal".

Chocados com o absurdo, falamos para nossa nano bolha como o mundo é absurdo e cruel. Choramos nossas pitangas como crianças que não podem comer doce, como cachorros que não podem subir no sofá, mas não nos articulamos. Por que?

Porque prezamos nossa individualidade e nossos traços identitários mais do que nossas semelhanças. Queremos defender nossos direitos de sermos um e apenas um nesta multidão, mas esquecemos dos outros 99% de coisas parecidas que temos entre nós.

Diferentemente de nós, Eduardo Bolsonaro usa de seus recursos e poder para tocar sua audiência naquilo que a maioria têm em comum, e não é a esperança, o senso de coletivo ou a paz humana: é o Medo. Ao criar o medo ele e o Gabinete do Ódio conseguem gerar a argamassa necessária para que pessoas se unam ao seu exército nesta guerra.

A estratégia do medo funciona, basta ver um vídeo muito divulgado nas redes sociais. A maioria das pessoas que viu o vídeo (de todos os espectros sociais e ideológicos) parabenizou a atitude. Veja!

Coerção funciona, medo também. Conscientização é algo muito almejado e falado, mas de pouca eficácia.

Combater o mal através do medo, acuando as pessoas "ruins" é um discurso que funciona. Afinal de contas, nós somos Bons, Ruins são os outros né?

É um tipo disfarçado de vingança, algo que todos conhecemos e desejamos intimamente, mesmo que não assumamos este sentimento.

Neste sentido a Guerra de Narrativas de Eduardo Bolsonaro têm funcionado. Com poder, dinheiro e com tecnologia (lícita ou ilícita) o discurso do medo têm se espalhado e ganhado força.

O problema é que a Guerra de Narrativas precisa de um mínimo de conexão com a realidade. Não dá para ser totalmente inventada.

Exemplo: Se eu disser que os alienígenas estão invadindo a Terra eu preciso de algum indício para poder construir a minha narrativa, mesmo que seja sutil. Não basta sair gritando por aí. Não vai funcionar. Se mostrar um vídeo, uma mancha no céu, qualquer coisa, já ajuda. Na ambiguidade da informação é possível construir o discurso, mas na invencionice total (a princípio) seria impossível.

O tema "Os Comunistas vão dominar e tirar tudo que temos" tem pelo menos 100 anos. Ele surge com a Revolução Russa e ainda hoje é um fantasma que pode ser ativado por mais remota que possa parecer a possibilidade de se realizar.

O medo dos comunistas é incrivelmente poderoso, por mais esquisito que possa parecer para as pessoas mais informadas. Considerar Social-Democracia como Comunismo é de uma simplicidade atroz, mas há uma certa conexão, já que o cuidado com o social está presente em ambos.

O que a eminente ameaça do comunismo permite ativar é o medo de ter seus bens desapropriados. Daí a assombrosa reação de pessoas empobrecidas de terem suas poucas posses conquistadas duramente serem "roubadas" pelo Estado. Essa narrativa funciona muito bem, por mais estranha que pareça.

A narrativa do Governo Federal em remédios milagrosos também funcionou, e ainda funciona dentro do Bolsonistão. A ideia de inventar uma pílula mágica para o tratamento da Covid é muito boa, e produtos como a Cloroquina estavam justamente neste limiar de realidade. Alguns estudos davam algum indício de alguma melhora, e pronto! Eis a pílula mágica

Porém…

A grande loucura envolvida nesse processo é que ao esgarçarmos sistematicamente o limite da realidade e entrarmos dia-a-dia no universo das suposições e das quase-verdades acabamos ampliando as possibilidades do que é verdade e o que não é.

A cada passo que damos na direção das suposições mais próximos ficamos do delírio.

Se começamos a pensar seriamente numa dominação comunista é possível considerarmos uma possibilidade de invasão comunista. Se aceitamos a possibilidade de uma invasão comunista talvez seja possível que seja uma invasão não-democrática. Daí podemos considerar que exista algum grupo estrangeiro que esteja pretendendo invadir o Brasil. E por que não uma grande conspiração global dominada por alienígenas que irá roubar meu Fusca 1978?

O processo de ampliação das possibilidade do que é verdade permitiu que aceitássemos as mais absurdas e inventivas teorias para tudo. Isto não é Guerra de Narrativas. E curiosamente a narrativa do Bolsonistão começa a perder força dentro do próprio caos que criou.

Se existem tratamentos quase-comprovados para a Covid como a Cloroquina, por que não existiriam outros tantos que a conspiração global não nos daria acesso? Talvez alho torrado, beber muita água, ou tomar banho de luz de solda elétrica, como foi mostrado pelo ex-governador de Rondônia em vídeo que circulou nas redes dias atrás.

Infelizmente, como mostra a imagem ilustrativa no início deste texto, o que buscamos mesmo são indícios que validem nosso pensamento, esta é a questão essencial. A Guerra de Narrativas está perdida para qualquer um que pretenda batalhar nela ou por ela. O que reina é o caos.

Alessandro Bender 2021

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Alessandro Bender

pesquisador do comportamento humano, tendências e arte