Sequestro Emocional
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Pequeno relato do cotidiano confinado
Todas as minhas paranóias afloraram. Descobri que não tenho medo de morrer, mas sim de sofrer sozinho, sem poder ver as pessoas amadas.
Sou uma pessoa da rua, gosto de circular. Faz tempo que não passava tanto tempo fechado.
Mesmo em situações simples, como uma reunião presencial mais longa, preciso levantar, pegar um café, andar um pouco. Tive de me acomodar, justo eu que me sentia orgulhoso de nunca me acomodar.
Tive de conviver com a ansiedade extrema. Aquela que sabe que algo muito ruim vai acontecer mas nada pode ser feito. Temos de esperar, e esperar por algo ruim. Este misto de pessimismo não realizado com ansiedade anulou meu lado criativo.
Num primeiro momento pensei: Situação ideal! Estou precisando me focar no livro que estou escrevendo, nada melhor que ser obrigado a ficar em casa. Mas a sombra do monstro à espreita nas ruas não me deixava pensar nem criar.
O vício em redes sociais voltou. A cada minuto queria saber das (más) novidades, gerando uma morbidez diária e incessante.
Não conseguia escrever, não conseguia sequer pensar.
Justo na hora em que precisamos nos apegar a algo maior na esperança que as coisas melhorem temos de conviver com líderes tresloucados, hipócritas e canalhas que mentem sobre tudo e todos. Que dizem e desdizem coisas insanas, que falam imbecilidades colocando em risco a vida de milhares de pessoas. Que falam 4 ou 5 vezes por dia, criando tensão constante.
Daí comecei a restringir o uso de redes sociais. Não abro sempre, estava me fazendo mal. Mas continuei a prestar atenção nas falas do presidente e nos posts do Gabinete do Ódio, que dissemina notícias falsas e ataca todo mundo.
Por um tempo fiquei pensando: Meu deus, esta gente vai matar um monte de pessoas ao divulgar falsas informações, ao distrair a atenção para a gravidade do problema. Mas hoje sei que muitas pessoas só vão realmente se dar conta da situação quando ela bater na porta dela. Infelizmente vai ter de ser assim.
Já tínhamos grupos e mais grupos defendendo a terra plana, a não usar vacina, teorias da conspiração infinitas.
Os avisos foram dados, não consigo (nem eu nem ninguém) colocar esta gente em quarentena forçada. Se tudo é manipulação da Globo, se tudo é um grande plano para desestabilizar o governo, que seja então.
Não estou torcendo pelo sofrimento dos outros, mas tenho de aceitar o limite da minha capacidade de intervir. Ficar gritando dentro das bolhas das redes sociais não vai fazer nada mudar.
Meu maior fator estressor eram as compras no supermercado. Ficava em pânico, e ao mesmo tempo me sentia responsável por trazer comida para casa, para não ficar em situação de penúria e de necessidade.
Depois que tomei a decisão de não sair mais (compras online estão aí para isto), relaxei um pouco. Minhas noites ficaram mais tranquilas, meu stress diminuiu um pouco. E surgiu espaço no meu cérebro para poder criar, fazer o que preciso, escrever, ler, estudar.
Lógico que muita coisa ainda deixa a gente com a cabeça quente. Em especial os problemas familiares. Os parentes e amigos confinados estão cada um na sua loucura, cada um em suas casas, enfrentando seus demônios. E sempre é bom tentar dar suporte, mesmo à distância, para que eles possam tentar buscar um equilíbrio emocional mínimo para mantermos o isolamento.
Se eu culpo o governo pela pandemia? Claro que não. Mas culpo pelo sequestro emocional de um país inteiro, criando confusão e caos quando era hora de dar suporte e acalmar a população. Considero crime gravíssimo contra a humanidade, e farei o que estiver ao meu alcance para que este presidente e seus asseclas sejam julgados em tribunal internacional.