Síndrome de Estocolmo Coletiva

As Quase-Verdades definem nosso cotidiano

Alessandro Bender
5 min readApr 19, 2020

O uso estratégico de informações radicais têm prendido a atenção de boa parte dos brasileiros nos dias de hoje.

As redes sociais, em especial o Twitter e o Facebook diariamente apresentam notícias aparentemente caóticas vindas de todos os lados.

Chamar de Fake News é minimizar sua essência: São notícias explosivas, versões exageradas dos fatos. São Quase-Verdades.

Como Quase-Verdades elas conseguem chamar a atenção de grupos que gostariam que elas fossem verdades. Um exemplo: Se o exército (considerada a instituição de maior credibilidade no Brasil) soltar uma nota dizendo que vai começar a construir hospitais pelo país, a Quase-Verdade será uma versão hipertrofiada desta nota. Contará que o esforço do exército vai resolver o problema dos leitos que faltam no Brasil, gerando cem mil UTIs nos próximos quinze dias.

A distância entre a intenção do exército e a Quase-Verdade lançada nas redes sociais é a mesma que quando você vai numa balada e uma garota olha na sua direção. E seus amigos te abraçam sorridentes e dizem "Ela está a fim de você, manda ver".

Seu grupo de amigos está simplesmente falando aquilo que você gostaria que fosse verdade, mas não necessariamente é. E as Quase-Verdades operam dentro deste universo, o do Desejo.

O grupo que defende ardorosamente o presidente Bolsonaro não acha que ele é a solução para o Brasil. O que este grupo deseja (desde a campanha eleitoral) é que ele fosse a solução para o Brasil.

Da mesma maneira que na balada o rapaz não vai querer ouvir que a garota olhou na sua direção apenas para ver as horas num relógio atrás dele, os eleitores de Bolsonaro não se darão por satisfeitos por mais que você prove que ele não é aquilo que eles pensam. Justamente por estarmos tratando do desejo. É sobre o que ele poderia ser que eles gostam tanto dele.

Bolsonaro representa realmente a esperança para um grupo de pessoas. Por isto o ódio que elas têm por pessoas que falam mal dele. É como você, emocionado ao ver um filme da Marvel no cinema, e um amigo seu te lembra que aquilo é apenas um filme, que está sendo projetado numa tela.

Quem fala mal de Bolsonaro é um estraga-prazeres, uma pessoa que ataca meu desejo de que aquilo fosse verdade. Estamos diante dos universo dos desejos.

Vá falar para a menina adolescente que têm dezenas de fotos de seu cantor favorito que ele nunca vai saber que ela existe. Ela não vai te ouvir, vai chorar, espernear, pois você está acabando com o barato dela. A reação diante da potencial frustração é tão grande que é melhor continuar acreditando que um dia ele vai bater na porta do quarto dela e leva-la para viver no mundo mágico que ela sempre sonhou.

Por outro lado…

Temos as pessoas que não gostam de Bolsonaro. Que vêem nele tudo aquilo de nefasto que existe na sociedade atual.

A pergunta é: Por que estas pessoas continuam publicando seus posts e acompanhando todo e qualquer movimento dele? Reparem que tivemos um presidente recentemente, o Michel Temer, e ninguém ficava esmiuçando cada detalhe de seu cotidiano. E todas as qualidades e defeitos de Temer podem ser encontrados em Bolsonaro, poderiam ser considerados "farinha do mesmo saco", por assim dizer.

A diferença está no Gabinete do Ódio, no grupo de comunicação que mantém a tensão e polêmica sempre no ar.

Nunca tivemos um dia de sossego com Bolsonaro. Todos os dias de seu mandato foram marcados por polêmicas ou por bizarrices. Do seu núcleo duro de comunicação, formado por ex-blogueiros, políticos eleitos e grupos de simpatizantes saem notícias e mensagens escabrosas a cada dia. Seus atos são definidos para sempre gerarem desconforto e polarização. São evidentemente planejados, desde uma ida à padaria até a demissão de um ministro. Tudo é calculado. Não pelo Bolsonaro em si, mas pelo grupo que comanda este míssil teleguiado.

O grau de dependência é tão grande que o presidente hoje faz pronunciamentos usando ponto eletrônico, ele não fala nada de improviso, todas suas falas são calculadas por alguém, mas não por ele.

Esta vivência de bizarrices diárias mantidas por um pequeno grupo e muitos milhões de reais mensais em ações nas redes sociais gera um Sequestro Emocional em quem acompanha. É tática de reviravolta usada em final de capítulo de novela, Sherazade usava para não ser morta pelo sultão nas Mil e uma Noites. Prende a atenção. Queremos saber qual é a próxima bizarrice, a próxima insensatez.

O grupo de críticos de Bolsonaro é tão refém emocional dele quanto o grupo de adoradores.

A solução é simples de se tomar, do ponto de vista racional. Basta não acompanhar mais este seriado, ignorar é a melhor maneira de manter a sanidade. Mas o apelo emocional, a sensação de que estamos numa situação de vida ou morte se não soubermos o que vai acontecer fazem com que acompanhemos.

Se engana quem acha que a Pandemia veio para atrapalhar esta novela, ou que ela teria sido a verdadeira geradora de tensão nesta história. O tom da comunicação construída pelo atual governo e sua rede criminosa de divulgação sempre foi este, o da luz sobre as trevas, da organização diante do caos. A Pandemia, neste sentido, é apenas mais um dos caos que assolariam o Brasil. Por isto muitos de seus seguidores colocam na mesma cesta questões como o COVID19 e a Corrupção, por exemplo. Seriam todos parte de um grande mal que Bolsonaro, o Mito, precisa combater.

Estamos diante de uma situação de Sequestro Emocional. Daí a angústia, o estresse e o esgotamento psicológico.

Tenho certeza que os efeitos colaterais deste sequestro trarão reflexões profundas para muitas pessoas, mas não espere que todas elas saiam desta situação desapegadas de seu desejo. Ainda teremos um grande número de pessoas que continuarão apegadas à seu algoz, como uma Síndrome de Estocolmo coletiva. O ódio e o amor a ele criaram vínculos. Hoje dependemos deles para poder acordar e continuar a viver.

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Alessandro Bender

pesquisador do comportamento humano, tendências e arte