Zumbificação

O Digital e o Zumbi

Alessandro Bender
3 min readApr 25, 2023
tênis virtual da Gucci, para ser usado nas redes sociais

Este é um Tênis Digital. Ele foi criado da mesma maneira que um filtro do Instagram. Você tira foto de seus pés e o filtro aplica o tênis da Gucci.

Ele realiza o conceito no digital, ele é o digital. Apesar de parecer não existir, ele está lá como produto final de uma ação de comunicação e marketing global. E mesmo que você não possa vesti-lo no mundo real, ele ajuda a customizar seu avatar no mundo digital, da mesma maneira que filtros de orelhas fofinhos ou de embelezamento de pele. Se podemos apagar rugas do rosto com aplicativos certamente poderemos usar um adereço virtual - e pagar por isto.

exposição "imersiva" da Capela Sistina

A foto acima é de uma Exposição Zumbi. Ela foi criada para simular uma visitação a uma obra ou a um conjunto de obras, mas seu DNA está muito distante da obra de Michelângelo. Ela está mais próxima de uma caneca comprada como souvenir numa lojinha em Roma.

uma das inúmeras obras derivadas do souvenir que Warhol comprou na Broadway

A exposição da Capela Sistina faz o caminho contrário que Andy Warhol fez ao reinventar a Santa Ceia de Leonardo da Vinci, a partir de uma estátua de U$ 12,00 de plástico que comprou na Broadway. As exposições imersivas se propõe a serem, elas mesmas, um grande souvenir. Todo o aparato espetacular e mercadológico surge zumbificando a obra do artista. Tudo está lá, menos a arte a que ele se refere. O que seria homenagem se realiza enquanto perversão.

Imãs de geladeira de Veneza disponíveis para comprar no Ali Express

Souvenir

Gostamos de lembrancinhas, de souvenires. Tanto que eles estão por aí, nas saídas das atrações dos parques da Disney, nos potes de pipoca do cinema ou nos imãs de geladeira que compramos nas viagens turísticas. Eles são simulações suavizadas, com contornos sem arestas e cores vibrantes que nem sempre estão presentes na experiência que vivenciamos e que pretendemos nos lembrar. Não há souvenir disponível na montanha russa que lembre a ânsia de vômito, não há balde de pipoca ensanguentado remetendo ao serial killer do filme, muito menos um vidro com cheiro de esgoto engarrafado para lembrar dos canais de Veneza.

Arte Zumbi

Há espaço para uma Arte Zumbi? Uma expressão que tem tudo, menos o DNA da arte que deveria carregar? Uma arte que prescinde da própria arte?

Quem já foi a uma exposição virtual como a descrita acima (estão na moda hoje, espalhadas pelos shoppings das grandes cidades), pôde ver que tudo está presente por lá. Os ingressos, a estética do artista, ambientação e público. Mas curiosamente não há assombro, não há encantamento, nem rachaduras nas paredes. O que existe são versões suavizadas das obras e um profundo tédio por parte dos visitantes. Talvez pelo alto valor de entrada as pessoas tenham vergonha de simplesmente se levantar e ir embora. Talvez elas estejam lá apenas para cumprir um ritual. Ou talvez realmente não queiram fruir a experiência completa, apenas desejem o souvenir. Isto foi visto com muita clareza na exposição virtual do Monet, que pude acompanhar. A área dos souvenires e de alimentação era muito maior (e muito mais animada) que a área da pretensa exposição.

Será possível, num mundo dominado pela narrativa das redes sociais, que possamos almejar uma experiência estética e artística direta, com todos os reveses que ela possa oferecer? Ou será que apenas a versão zumbificada da arte nos seja acessível, pois nós também, de certa maneira, também nos zumbificamos?

Alessandro Bender, 2023

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